T I P O G R A F O S . N E T     by FreeFind

As letras dos Romanos, 3

A construção das letras romanas

Para os calígrafos da Renascença, a inscrição na base da imponente coluna de Trajano foi inspiração contínua; as suas letras eram consideradas o mais requintado e elegante padrão das letras latinas, o non plus ultra de clareza e esplendor estético.

Os humanistas supunham um sistema de construção racional por detrás da beleza destas letras. Mas no Império Romano não existiam nem padrões absolutos, nem cânones obrigatórios para o desenho de inscrições – ou seja, para a forma das letras (vejamse os diferentes P), as suas proporções, a grossura do traço, a inclinação do eixo do O e Q, o desenho das serifas, ou a profundidade do corte na pedra...

vd
Construção geométrica das versais romanas, segundo Duerer.

A estética da letra romana terá tido rigorosos modelos geométricos?

Seria baseada nas proporções dos números ditos «ideais»?

Os estudiosos da Renascença que tentaram desvendar o segredo das supostas proporções ideais das letras romanas viram frustadas as suas análises geométrico-matemáticas.

Pois a letra romana segue sim a ortodoxia dum padrão praticado em todo o Império, mas também mostra expressão individual, variando segundo o ordinator encarregado de desenhar as letras sobre a lápide, para depois serem gravadas a escopro.

As letras eram desenhadas com um pincel mais ou menos largo, segurado diagonalmente. Este método de prétraçar as formas antes de aplicar o cinzel explica as variações de grossura de traço das letras latinas, a partir da era imperial – como no «A» mostrado ao lado. Se também explica a razão de ser, as formas e os alinhamentos das serifas, tem sido tema muito discutido, mas os especialistas não chegaram a conclusões definitivas.

Layouts

Dos romanos recebemos não só o legado do abecedário latino, mas também soluções convincentes para problemas que hoje afectam o trabalho quotidiano do designer gráfico. Vamos ver como solucionavam problemas da edição e da composição espacial de textos e imagens – do layout, como dizemos hoje.

O uso de abreviaturas, que começou com os romanos, tornou-se mais tarde uma característica da escrita medieval. Em Roma já estavam em uso técnicas aperfeiçoadas de anotação por abreviaturas; a sua finalidade foi (e continua a ser) a economia de tempo e de espaço.

A imprensa com tipos móveis, que surge a meio do século xv, continuou a usar abreviaturas, tendência especialmente forte durante a proto-tipografia. Hoje continuamos a usar a escrita abreviada – por exemplo, siglas como «IBM», para abreviar «International Bureau Machines».

Outro problema que os artistas romanos resolveram eficientemente foi a resolução da pixelização.

Quando se tratava de formar letras ou imagens, não por pintura ou por incisão, os romanos optavam pelo mosaico. Esta solução era usada de preferência para pisos e murais.

o
 

O tamanho das pedrinhas de cor seleccionadas para formar um mosaico representava um equilíbrio entre os custos de produção, o espaço a preencher com o motivo e a resolução necessária para permitir uma leitura satisfatória do texto e uma visualização aceitável das imagens.

Visto que a pixelização não era executada mecanicamente – como faz qualquer software de tratamento de imagem, por exemplo o Adobe Photoshop –, a resolução dos pixels era ajustada ao pormenor desejado: as imagens que exigiam detalhes e variações subtis de cores levavam muitas pedras pequenas; os espaços livres e as grandes áreas em branco ou preto obtinhamse com pedras bastante maiores.

Há que salientar a excelente qualidade dos layouts dos melhores mosaicos romanos; a composição de imagens com os comentários em texto denota virtudes estéticas e uma segurança na composição que nem todos os designers contemporâneos se podem gabar de conseguir...

O Império Romano digitalizado

Existem várias fontes digitais que recriam a estética dos alfabetos usados no Império Romano. A fonte Hadriano é um alfabeto de versaletes da autoria do norte-americano Frederic W. Goudy, que imita uma Quadrata já tardia, realizada com pouca ortodoxia e menos formalidade.

Numerosas outras fontes modernas foram inspiradas nas formas da capitalis monumentalis romana; um dos mais belos exemplos contemporâneos é a Requiem, uma fonte de Jonathan Hoefler.

Requiem
A fonte Requiem, uma versão moderna da Capitalis romana

A fonte Ondine exibe um ducto, que, apesar de traçado com uma caneta caligráfica moderna, mostra características «manuais» das letras romanas.

A Ondine, desenhada por Adrian Frutiger para a fundição Deberny & Peignot em 1954, não é fiel ao modelo histórico, mas traduz particularidades caligráficas visíveis em muitas letras romanas escritas com o stilus ou pintadas à mão com um pincel.

Por exemplo, os traços de grossura variável do A e do M, assim como o pronunciado ducto caligráfico de algumas outras letras. Outras fontes digitais contemporâneas que tentam recriar a escrita romana omitem esses pormenores!

baixo

Topo páginaTopo página

Quer usar este texto em qualquer trabalho jornalístico, universitário ou científico? Escreva um email a Paulo Heitlinger.
copyright by algarvivo.com