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As letras dos Romanos, 2

1ª parte: Capitalis Monumentalis

Condensar formas: a rustica

Rustica
Capitals Rustica, a letra de formas condensadas. Fotografada em Mérida.
 Inscripción honoraria de Gneo Papirio
Inscrição honorária de Gneo Papirio. Altura, 33 cm.; largura, 44 cm.; grosor, 46 cm. siglo II. Procedencia: Huerta de Lopera de la Calle María de la Miel del Albaicín, Granada. Esta base de estátua de forma cuadrada, de mármol blanco de Sierra Elvira, fue hallada en la zona del foro de la ciudad de Ilíberis (Granada). El texto, conservado sólo en 5 de sus líneas es el siguiente: GN PAPIRIO GAL AELIANO AEMIL TVSCILLO. Q PROV ACHAIAE TRIBVNO PLEBI PR. LEG AVG LEGION XII [---] Transcrição: "Gn(eo) Papirio [f(ilio]/ Gal(eria) Aeliano Aemil(io)/ Tuscillo Q(uaestori) Prov(inciae)/ Achaiae Tribuno Plebi(s)/ Pr(aetori) Leg(ato) Aug(usti) Legion(e) XII [f(ulminata)]/ [... ... ...]" Tradução: «A Gneo Papirio Eeliano Emilio Tuscillo, hijo de ..., de la tribu Galeria, cuestor de la provincia de Acaya, tribuno de la plebe, pretor, legado de Augusto en la legión XII Fulminífera...» Esta inscripción es una de las más importantes de Granada ya que alude a un personaje de rango senatorial, cuyo cursus honorum, aunque incompleto, se desarrolla en la inscripción.

Para obter uma substancial economia de espaço – mas sem maior prejuízo para a legibilidade – desenvolveuse no Império Romano uma letra condensada, a Capitalis rustica. Era pintada à mão em cor preta ou vermelha, servia para apregoar nas paredes produtos e serviços, fazer anúncios políticos, etc.

Com esta capitalis rustica obteve-se uma versão mais fluida e mais caligráfica da quadrata, uma letra um pouco menos formal, mais apertada e económica – e talvez também mais rápida na sua execução.

Esta letra ocupava menos de metade do quadrado definido pelas letras versais da quadrata e permitia inserir bastante mais texto no espaço de uma lápide (o mármore era já há 2 mil anos um suporte caro).

A Capitalis rustica é a base de todas as letras posteriores de estilo condensado. Na época tardia do Império Romano, esta letra condensada foi a preferida para elaborar longos manuscritos.

Herculanum
As nossas letras minúsculas foram derivadas das maiúsculas romanas, por condensação e aposição de ascendentes ou descendentes.

No fim do Império seriam escritos muitos documentos em rustica – até ao século vi, conforme relata a especialista de caligrafia Hildegard Korger.

A capitalis monumentalis é já uma evolução tardia, da época dos imperadores Augusto e Nerva – uma letra de austero rigor e celebração, majestosa e pomposamente elegante, eleita para as lápides dos monumentos erguidos para o culto aos imperadores, ridiculamente elevados à categoria de deuses eternos.

Letra do triunfo da cultura romana, a primeira escrita universal, implementada pela Roma militar em todas as colónias.

A cidade Emerita Augusta, construída pelo imperador Augusto para premiar os seus legionários, tornaseia pouco depois da sua fundação em 25 n.E. a capital das três províncias do Império Romano na região então denominada Hispania.

Não admira que encontremos nesta cidade espanhola, nos monumentos do culto imperial e inscrições em mármore, os melhores exemplos de capitalis monumentalis da Península Ibérica.

Se bem que as inscrições lapidares noutro grande centro romano da Península Ibérica – a urbe de Conímbriga – tenham o seu valor histórico, a estética é inferior, as soluções gráficas mais toscas.

As epígrafes mostradas na exposição Religiões da Lusitânia, patente no Museu Nacional de Arqueologia em Belém, levam à mesma conclusão, apesar de alguns excelentes exemplares epigráficos do acervo deste museu.

Cursiva, a primeira minúscula

A raiz das letras minúsculas de hoje encontra-se nas letras romanas usadas para documentos vulgares. Para acelerar a escrita destes documentos, os romanos alongaram e comprimiram as formas da Quadrata.

Para contrariar a perda de legibilidade resultante desta compressão, introduziram-se prolongamentos em várias letras. Apareceram hastes descendentes e ascendentes para marcar mais pronunciadamente as formas características das letras. Nasceu assim a cursiva, um género de letra apressada, que se escrevia em todo o tipo de suportes – até em barro fresco!

Os glifos da cursiva aparecem inclinados pelo ducto manual, pela coreografia dos dedos a escrever rapidamente. Nos textos compactos escritos em cursiva, as serifas desaparecem; os traços descendentes e ascendentes passam a caracterizar este e todos os futuros alfabetos de letras minúsculas.

Herculanum
As nossas letras minúsculas foram derivadas das maiúsculas romanas, por condensação e aposição de ascendentes ou descendentes.
Capitalis rustica
813-835. Escrito em Reims. Fragmento de um psaltério, escrito sobre pergamento.

Fixemos este facto importante: as nossas letras minúsculas foram derivadas das maiúsculas romanas, por condensação e aposição de ascendentes ou descendentes. Uma versão tipográfica desta caligrafia rápida é a fonte Herculanum, de Adrian Frutiger.

Herculanum
A fonte Herculanum vive d0 contraste entre letras mais esguias e outras bastante largas – e tem uma rítmica expressiva, que estimula usos criativos. A Herculanum recebeu o nome da cidade gémea de Pompeia e foi baseada numa caligrafia cursiva do ano 70 n.E., escrita sobre numa placa de cera.
Pergaminho, pedra e metal

Se bem que na maior parte dos casos associemos a letra romana às belas epígrafes gravadas em pedras nobres, os romanos também usaram o metal como suporte de textos importantes – por exemplo, para fixar a sua política e a sua jurisprudência. Conhecemos placas de cobre de grandes dimensões, com textos de leis aplicáveis a determinado município ou província.

O Museu Arqueológico de Sevilha conserva talvez os melhores exemplos ibéricos de grandes placas de metal gravadas com textos de legislação romana. Conhecemos também letras «sólidas», fundidas em metal (cobre e cobre dourado), letras que eram fixadas com pequenos suportes sobre os muros exteriores de monumentos e obras importantes – pontes, por exemplo (esta prática continua visível em alguns prédios modernos da nossa função pública – tribunais, por exemplo).

Instrumentos feitos de metal, como, por exemplo, medidas de peso, também podiam ser gravados (ou cunhados) com letras. O exemplo mais fascinante talvez seja o punção reproduzido ao lado; servia para gravar um selo circular nas tampas de gesso que vedavam a boca de ânforas. Ânforas que foram fabricadas em milhões de unidades (!) para transportar azeite e vinho das províncias até Roma.

Este punção é uma precoce realização dos tipos de metal; era usado para cunhar com o seu selo um supor-te, neste caso o gesso fresco. Também é notável o desenho do logótipo do comerciante p. mussidi sempronian. Este nome foi aplicado duas vezes em diagonal, formando um M em ponto grande. O facto de terem aparecido nos subúrbios de Roma (Monte Testaccio) ânforas cunhadas com este selo, permite a datação para o século ii n.E. A espinha de peixe (?) poderá ser uma alusão ao conteúdo das ânforas: o apreciado garum, uma pasta usada para temperar comidas, elaborada com sal, peixe, azeite e ervas aromáticas.

A letra redonda: Uncialis
A construção das letras

Para os calígrafos da Renascença, a inscrição na base da imponente coluna de Trajano foi inspiração contínua; as suas letras eram consideradas o mais requintado e elegante padrão das letras latinas, o non plus ultra de clareza e esplendor estético.

Os humanistas supunham um sistema de construção racional por detrás da beleza destas letras. Mas no Império Romano não existiam nem padrões absolutos, nem cânones obrigatórios para o desenho de inscrições – ou seja, para a forma das letras (vejamse os diferentes P), as suas proporções, a grossura do traço, a inclinação do eixo do O e Q, o desenho das serifas, ou a profundidade do corte na pedra...

A estética da letra romana terá tido rigorosos modelos geométricos?

Seria baseada nas proporções dos números ditos «ideais»?

Os estudiosos da Renascença que tentaram desvendar o segredo das supostas proporções ideais das letras romanas viram frustadas as suas análises geométrico-matemáticas.

Pois a letra romana segue sim a ortodoxia dum padrão praticado em todo o Império, mas também mostra expressão individual, variando segundo o ordinator encarregado de desenhar as letras sobre a lápide, para depois serem gravadas a escopro.

As letras eram desenhadas com um pincel mais ou menos largo, segurado diagonalmente. Este método de prétraçar as formas antes de aplicar o cinzel explica as variações de grossura de traço das letras latinas, a partir da era imperial – como no «A» mostrado ao lado. Se também explica a razão de ser, as formas e os alinhamentos das serifas, tem sido tema muito discutido, mas os especialistas não chegaram a conclusões definitivas.

Note que as letras das inscrições lapidares apresentavam um belo efeito tridimensional, obtido pela gravura na pedra, que tinha necessariamente alguma profundidade. Assim, o aspecto das letras gravadas variava consoante o ângulo de incidência da luz do dia.

Porém, quando se transportavam as letras para o gesso liso de uma parede ou para um pergaminho (e mais tarde para o papel), perdia-se este maravilhoso efeito...

Layouts

Dos romanos recebemos não só o legado do abecedário latino, mas também soluções convincentes para problemas que hoje afectam o trabalho quotidiano do designer gráfico. Vamos ver como solucionavam problemas da edição e da composição espacial de textos e imagens – do layout, como dizemos hoje.

O uso de abreviaturas, que começou com os romanos, tornou-se mais tarde uma característica da escrita medieval. Em Roma já estavam em uso técnicas aperfeiçoadas de anotação por abreviaturas; a sua finalidade foi (e continua a ser) a economia de tempo e de espaço.

A imprensa com tipos móveis, que surge a meio do século xv, continuou a usar abreviaturas, tendência especialmente forte durante a proto-tipografia. Hoje continuamos a usar a escrita abreviada – por exemplo, siglas como «IBM», para abreviar «International Bureau Machines».

Outro problema que os artistas romanos resolveram eficientemente foi a resolução da pixelização.

Quando se tratava de formar letras ou imagens, não por pintura ou por incisão, os romanos optavam pelo mosaico. Esta solução era usada de preferência para pisos e murais.

O tamanho das pedrinhas de cor seleccionadas para formar um mosaico representava um equilíbrio entre os custos de produção, o espaço a preencher com o motivo e a resolução necessária para permitir uma leitura satisfatória do texto e uma visualização aceitável das imagens.

Visto que a pixelização não era executada mecanicamente – como faz qualquer software de tratamento de imagem, por exemplo o Adobe Photoshop –, a resolução dos pixels era ajustada ao pormenor desejado: as imagens que exigiam detalhes e variações subtis de cores levavam muitas pedras pequenas; os espaços livres e as grandes áreas em branco ou preto obtinhamse com pedras bastante maiores.

Há que salientar a excelente qualidade dos layouts dos melhores mosaicos romanos; a composição de imagens com os comentários em texto denota virtudes estéticas e uma segurança na composição que nem todos os designers contemporâneos se podem gabar de conseguir...

O Império Romano digitalizado

Existem várias fontes digitais que recriam a estética dos alfabetos usados no Império Romano. A fonte Hadriano é um alfabeto de versaletes da autoria do norte-americano Frederic W. Goudy, que imita uma Quadrata já tardia, realizada com pouca ortodoxia e menos formalidade.

Numerosas outras fontes modernas foram inspiradas nas formas da capitalis monumentalis romana; um dos mais belos exemplos contemporâneos é a Requiem, uma fonte de Jonathan Hoefler.

A fonte Ondine exibe um ducto, que, apesar de traçado com uma caneta caligráfica moderna, mostra características «manuais» das letras romanas. A Ondine, desenhada por Adrian Frutiger para a fundição Deberny & Peignot em 1954, não é fiel ao modelo histórico, mas traduz particularidades caligráficas visíveis em muitas letras romanas escritas com o stilus ou pintadas à mão com um pincel.

Por exemplo, os traços de grossura variável do A e do M, assim como o pronunciado ducto caligráfico de algumas outras letras. Outras fontes digitais contemporâneas que tentam recriar a escrita romana omitem esses pormenores!

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