Lutero e o impacto da Reforma protestante na ImprensaSe a Fraktur tivesse sido usada exclusivamente como royal letter da chancelaria imperial, não teria angariado a importância que lhe emprestou o grande cisma religioso da Renascença...Martinho Lutero (1483- ), que tinha criticado as bulas papais, traduzido a Bíblia do latim para o alemão vernáculo e iniciado a dissidência religiosa que forçou a ruptura com a Santa Sé, quis ver todos os seus livros compostos em letras quebradas e mandou imprimir as suas obras com a letra Schwabacher. Com toda a veemência fez oposição às romanas, alegando que «as letras latinas impedem-nos fortemente de falar bem alemão...» O ex-monge augustino Martinho Lutero foi o primeiro demagogo da Fraktur; de maneira consciente e deliberada usou estas letras na sua luta religiosa. A fórmula que ele cunhou Alemão = Protestante = Bom = Fraktur implicava, por contraste, a antifórmula: Latino = Papista = Mau = Letra romana. Esta demagogia provou ser tão perversamente eficiente, que viria a ser adoptada e reforçada por vários intelectuais e políticos alemães. A escolha da letra começou por ser usada não só para sinalizar a «boa» e a «má religião», mas de modo ainda mais irracional e abrangente, para distinguir o Bem do Mal.
A impressão de Hans LufftNuma famosa Bíblia da época impressa em Wittenberg por Hans Lufft, em 1534 uns parágrafos têm como inicial uma Fraktur, outros uma versal romana. O editor Hans Lufft explica a intenção desta invulgar prática: «Se existem duas espécies de letras, compostas em ABC e ABC, a letra ABC fala da Graça e de Fé. Se compostas em ABC, falam do Castigo.» Ou seja: os parágrafos iniciados com uma romana alertam para o Mal; os iniciados com uma Fraktur, têm a ver com o Bem... O eminente «campeão» da Fraktur, Martinho Lutero, não chegou a ver o triunfo definitivo da sua «letra alemã»; só as folhas de rosto de algumas traduções da Bíblia para o alemão vernáculo por exemplo a famosa edição de 1534 foram compostas com a Fraktur.
Quando Martinho Lutero começou a sua militância pró-Fraktur, Erasmo de Roterdão ordenou que todas as suas obras fossem compostas em letra romana. Na confrontação tipográfica Lutero contra Erasmo projectou-se um violento choque entre a cultura europeia e o sectarismo germânico, entre o universalismo dos humanistas da Renascença e o Protestantismo luterano. Uma confrontação que opôs o nacionalismo ao cosmopolitanismo.
Na Alemanha era comum usar a caligrafia itálica para textos em latim, e a corrente alemã para os documentos em alemão. As antologias multilingues impressas nessa época mostram os textos estrangeiros compostos em Antiqua (a romana latina) e os textos alemães com tipos Fraktur ou Schwabacher.
Passados escassos anos após a morte do reformador, a Fraktur começou a pôr de lado a sua concorrente Schwabacher. Em pouco tempo, a Fraktur tornou-se o veículo exclusivo da língua, da literatura alemã e do «Espírito Alemão»; enquanto que a Antiqua, difamada como a letra dos odiados papistas, passou a ser a «letra dos estrangeiros».
Nos países de cultura alemã, as posições extremistas de Lutero deram origem a uma forte luta ideológica, apoiada na «letra alemã», na Fraktur. Luta que não ficou confinada ao combate do Protestantismo contra o Papa, mas que rapidamente se estendeu às áreas da Cultura e da Política.
Esta polarização atingiu um primeiro auge em 1560, quando Sigmund Feyerabend, prestigiado impressor e livreiro em Frankfurt/Main, mandou imprimir uma Bíblia alemã exclusivamente em Fraktur. Esta edição marcou a desvinculação da Alemanha da tipografia europeia; uma dissidência que pôs a Fraktur em deliberada oposição à letra romana. Neste ponto, a tipografia bifurcou em duas direcções: a romana, válida para os países de herança latina, católicos, e a gótica, válida na geografia germânica e protestante. Uma parte da Europa optou pela letra romana e pôs as góticas de parte; na Alemanha em dissidência, o cisma tipográfico ficou consumado nos fins do século xvi e perdurou até ao século xx. Leia, em mais detalhe, sobre a evolução da letra Fraktur. LinksLa Réforme et l'imprimerie (excelente artigo, em francês) www.imprimeriedesarts.ch/spip/article.php3?id_article=21 A evolução da Imprensa na cidade de Geneva: http://www.imprimeriedesarts.ch/spip/article.php3?id_article=35 |
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