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A Tipografia, novo instrumento da administração e da repressão reais

Tem sido salientada a importância da Imprensa para a difusão da cultura e dos valores do Humanismo; mas raras vezes foi salientado o papel da tipografia como instrumento de comunicação ao serviço da política real e da administração interna.

A Igreja Católica recorreu à tipografia desde os primeiros tempos (bulas papais, ordenações), mas a «máquina do Estado» demorou algum tempo a perceber as enormes vantagens e a tirar partido do novo meio de comunicação de massas. (Veja a biografia de Gutenberg)

Contudo, quando Manuel I, monarca de práticas absolutistas, deu em 1512 o encargo de imprimir as suas Ordenações do Reino ao tipógrafo alemão Valentim Fernandes, estaria já bem consciente de que as novas leis do reino iriam ser (pela primeira vez!) rapidamente copiadas e propagadas em tempo recorde por todas as comarcas do país.

Esta expectativa explica a alta tiragem da primeira edição – 1.000 exemplares de cada um dos cinco tomos – e o voto de confiança à qualidade e à celeridade de execução dos alemães activos em Portugal no novíssimo ramo tipográfico.

A consciência de Manuel I sobre o valor dos documentos manifestou- se igualmente no movimento da Leitura Nova, projecto ambicioso que programou (e executou) a cópia de documentos importantes da Chancelaria Régia, de Bulas e Inquirições. Estes documentos foram escolhidos e assinados pelo guardamor ou pelo escrivão da Torre do Tombo, que no original lançava, a vermelhão, um pequeno sumário, e o tipo de livro a que se destinava cada texto.

A colecção de cópias resultantes do projecto Leitura Nova é reveladora da ostentação de Manuel I, olhando para a xcelente qualidade e elevada quantidade da iluminura empregue, a dimensão colossal dos livros, a utilização de pergaminho, (nacional e importado da Flandres), de muito boa qualidade e de grandes dimensões, assim como pelos materiais nobres utilizados nas encadernações e respectivas decorações.

Valentim Fernandes, para responder efectivamente à encomenda real, valeu-se de um poderoso recurso estratégico: a sua prática comercial de cooperar com colegas tipógrafos alemães, formando parcerias ajustadas à empreitada de impressão encomendada.

Na vizinha Espanha, a prática era semelhante. Em Sevilha, onde o alemão Paulus de Colónia tinha oficina instalada, vemos este impressor elevar a sua produtividade em repetidas parcerias com colegas como Johannes Pegniczer (Pegnitzer) de Nuremberga e Lançanlao (Estanislau) Polono.

Deste modo, também Paulo de Colónia logrou obter a encomenda das Hordenações dos Reis Católicos Fernando e Isabel, que, entre outras disposições, impunham desumana discriminação e a exclusão social dos judeus em Espanha.

Quando o livreiro real Luís Rodrigues recebeu em 1533 o encargo de imprimir as Ordenações do Reino de João III, não hesitou em ficar com os lucros do privilégio editorial, mas subempreitou a impressão ao francês Germain Gaillard. Quando se esgotou a primeira tiragem, encomendou a segunda edição a Jacobo Cromberger, impressor alemão em Sevilha.

A tipografia hebraica em Portugal

A tipografia hebraica teve as suas origens na Itália. Incunábulos em hebraico foram impressos em cidades como Nápoles e Soncino em Itália e Guadalajara em Espanha. Mais de metade dos incunábulos impressos em Portugal foram compostos em hebraico.

O primeiro livro impresso em Portugal veio do prelo de Samuel Gacon, editor judeu, operador da primeira oficina tipográfica, situada em Faro, Algarve.

António Ribeiro dos Santos escreve na sua Memória sobre as Origens da Tipografia em Portugal no Século xv: «Os primeiros Impressores que apparecêrão entre nós ... forão Judeos Estrangeiros, que vierão a Portugal de diversas partes de Itália. A pratica em que estavão os Judeus de multiplicarem os exemplares da Lei para uso de suas Synagogas, e dos mesmos particulares, fazia com que tambem se multiplicassem os impressores da Nação.»

Publicações

Viterbo, Sousa (1846-1910). O movimento tipográfico em Portugal no século XVI : apontamentos para a sua história Coimbra, Imp. da Universidade, 1924. - 352 p. ; 23 cm. Pode consultar esta obra online em http://purl.pt/188

Eisenstein, Elizabeth L. A Revolução da cultura impressa - os primórdios da Europa Moderna. Tradução de Osvaldo Biato. São Paulo: Ática, 1998.
Ilustrada, p & b. Panorama das grandes mudanças nas comunicações no século XV, onde a autora explora a passagem do texto manuscrito para o impresso no contexto dos três principais movimentos que marcaram a Europa Moderna: o Renascimento, a Reforma e o surgimento da ciência moderna, revelando os múltiplos efeitos da cultura impressa na vida intelectual do Ocidente.

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