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Valentim Fernandes (? — 1519)

ou Valentin Ferdinand, Valentim Fernandes da Morávia

A figura mais destacada da Prototipografia em Portugal. Este impressor alemão obteve privilégios de impressão em Portugal a partir de 1495. Hoje conhecemos 18 livros por ele impressos, 6 dos quais foram produzidos no século xv.

Impressão de Valentim Fernandes

Quando se estabeleceu em Portugal, Valentim Fernandes dominava o alemão, o latim, o toscano, o castelhano e o português, conhecimentos que pode ter adquirido em viagens pela Europa.

Foi tradutor e autor; foi também mercador, investigador, historiador e geógrafo.

Valentim Fernandes terá nascido na região da Morávia, zona de influência alemã, nas imediações da Boémia, com prelos a trabalhar desde a década de 1480. Em 1486, Conrad Stahel imprimiu na cidade de Brno o primeiro livro.

Em 1493 VF esteve em Sevilha.

VF chegou a Portugal provavelmente em 1493. De 1495 até 1516, este tipógrafo alemão obteve privilégios de impressão e exerceu em Portugal a indústria, servindo a rainha Dona Leonor, viúva de João II, de quem foi escudeiro.

Hábil homem de negócios e humanista de cultura abrangente, é a Fernandes que devemos um dos mais importantes testemunhos sobre os Descobrimentos portugueses: as anotações manuscritas em cerca de 300 páginas, que hoje estão guardadas na Staatsbibliothek München, designadas por Manuscrito de Valentim Fernandes.

No ano de 1503 teve a sua nomeação como corretor do mercado de Lisboa para as transacções de especiarias ultramarinas destinadas à Alemanha e de notário (ou tabelião) para os contratos dos comerciantes alemães entre si.

Vita Christi, 1495

Com oficina tipográfica em Lisboa, Valentim Fernandes foi o primeiro a imprimir livros ilustrados em Portugal.

A Vita Christi é um dos mais importantes incunábulos (livros impressos até 1500) impressos em Portugal.

Em quatro partes in-folio impressas em Lisboa, em 1495, por ordem e a expensas do rei João II e de D. Leonor, é considerado o terceiro incunábulo português, depois do linkSacramental e do linkTratado de Confissom (Chaves, 1489), — e o primeiro livro ilustrado impresso em Portugal.

A impressão foi executada em parceria com Nicolau da Saxónia, um impressor alemão que chegara a Portugal vindo de Espanha.

Curiosamente, a divisa da Raínha, o camaroeiro, ficou impressa de forma invertida.

Para imprimir a obra, Valentim Fernandes teve de comprar papel no estrangeiro e usar tipos móveis do mestre alemão Pedro Brun, tipógrafo activo em Sevilha, além da grande gravura do Calvário, atribuída ao mestre E. S., um dos mais importantes gravadores alemães do século XV.

A letra maiúscula E tem uma forma que só aparece em Sevilha, nas oficinas de Pedro Brun, de Meinard Ungut e Stanislau Polono, bem como na casa de impressão dos chamados Companheiros Alemães, todos em actividade em 1495.

Vita Christi, impressão de Valentim Fernandes

O primeiro dos livros ilustrados impressos em Portugal foi a famosa Vita Christi de 1495, uma sumptuosa edição in-fólio que foi paga pela rainha D. Leonor.

O texto original, redigido em latim por Ludolfo de Saxónia, fora traduzido na Abadia de Alcobaça antes de 1445.
O manuscrito alcobacense foi revisto pelos frades do Mosteiro de São Francisco de Xabregas antes de ir para a oficina de Valentim Fernandes.

O modelo seguido foi o dos livros que imprimiam os tipógrafos alemães em Sevilha e Burgos: letra gótica redonda, condensada, mas bem legível, com partes do texto impressas em cor rubra.

Para a impressão das quatro partes deste livro em «lingoagem» (termo usado para caracterizar o português vernacular), com um total de 1060 páginas, Fernandes comprou papel no estrangeiro.

Vespasiano, 1496

O segundo livro ilustrado impresso por VF é a Estoria de muy nobre Vespesiano emperador de Roma, que saiu do prelo em Lisboa, em 1496; as gravuras são de origem alemã. Em 20 de Abril de 1496, foi concluída a impressão desta novela de cavalaria, obra em língua portuguesa.

Neste mesmo ano (1496), VF imprimiu o Regimento proueytoso contra a pestenença, uma tradução feita pelo padre franciscano Luís de Rás, do original de Johan Jacme.

Grammatica Pastrane

O terceiro livro ilustrado de Valentim Fernandes é a Grammatica Pastrane. No ano de 1497 imprimiu três opúsculos que viriam a formar a Grãmatica Pastrane, texto latino mas que contém algumas frases em português.

Desta obra fazem parte o Thesaurus Pauperum, cuja impressão não está datada, as Materiae de Pedro Rombo, adaptação do texto de Juan Pastrana, aí designado por Baculum Caecorum, acabadas de imprimir em 27 de Maio de 1497, e as Materiae de António Martins, sinopse do texto de Pastrana, cuja impressão terminou em 20 de Junho daquele ano.

Em 21 de Fevereiro de 1500 VF terminou a impressão da 1.ª parte das Epistole et Oratines, de linkCataldo Sículo.

Em 1501, em 10 de Abril, o impressor terminou a execução da obra Glosa famosissima sobre las Coplas de dõ Jorge Marriq, de Alonso de Cervantes e, talvez, os Proverbios de Iñigo Lopez de Mendoza, ambas obras impressas em língua espanhola.

Relatos de viagens

Em 1502, Valentim Fernandes deu à estampa três relatos de viagens:

  • o Livro de Marco Polo,
  • o Livro de Nicolau Venetto e
  • a Carta de Jerónimo de Santo Estevão.
Marco Polo, impressão de Valentim Fernandes

Com o livro de Marco Paulo, Valentim Fernandes iniciou a divulgação impressa de assuntos ultramarinos.

Se Valentim Fernades foi ou não o tradutor do relato de viagens de Marco Paulo do latim em português, é uma opinião discutida entre os historiadores; mais provável é que tenha traduzido do toscano o relato das viagens de Nicolao Conti, escritas por Poggio.

Em 1502 Valentim Fernandes imprimiu os Poemata de Cataldo Sículo.

Em 21 de Fevereiro de 1503, Valentim Fernandes é nomeado pelo rei Manuel I para o cargo de corrector dos mercadores de Lisboa, com funções de tabelião.

Nos primeiros anos do século XVI, Fernandes poderá ter pensado publicar uma obra de sua autoria, sobre as viagens marítimas e os descobrimentos portugueses. Este propósito explicaria a metódica investigação à qual se dedicou de 1506 a 1510, quando a peste grassava em Lisboa e Fernandes se mudou para Tomar para escapar à epidemia. Fugindo da peste que se declarara em Lisboa em Outubro de 1505, Valentim Fernandes instalou-se em Tomar e só voltou a Lisboa em 1511.

Entrevistando marinheiros e viajantes, recolheu um sem número de informações em primeira mão. Valentim Fernandes anotou um extenso material sobre as ilhas atlânticas e os novos territórios africanos descobertos pelos portugueses, escritos esses que – ironia do destino! – não ficaram entre nós, porque mais tarde foram entregues ao seu amigo, o humanista alemão Konrad Peutinger.

Uma transcrição para texto impresso do famoso Manuscrito de Valentim Fernandes foi oferecida à Academia Portuguesa da História por Joaquim Bensaúde em 1940 (a leitura e a revisão das provas tipográficas fez António Baião). •

Valentim Fernandes colaborou com outros tipógrafos estrangeiros, estabelecidos em Portugal:

Em 1504, três livros saem do prelo de Valentim Fernandes:

  • Regimeto dos ofiçiaaes... destes Regnos, terminado em 20 de Março
  • Cathecismo pequeno, de D. Diogo Ortiz, acabado de imprimir a 20 de Junho. Na impressão deste Cathecismo trabalhou com João Pedro de Cremona.
  • Regra e diffinçoõs da Ordem do Mestrado de Nosso Senhor Iesu Christo, de que foram impressas duas edições.
  • Possivelmente em 1505 imprimiu a Epistola serenissimi principis Hemanuelis... ad Summã Romanu Pontificem, uma carta de Manuel I ao papa Júlio II.

Em 16 de Dezembro conclui no entanto a impressão dos Autos dos Apostolos, continuação do texto da Vita Christi.

Durante a epidemia de peste, Valentim Fernandes parece ter feito um interregno na sua actividade de impressor.

Regressado a Lisboa, retoma a sua actividade de tipógrafo e imprime, provavelmente em 1510 ou 1511, uma versão portuguesa dos Evangelhos e Epístolas, de Guilherme de Paris. Esta edição de Valentim Fernandes é uma cópia literal da impressão feita pelo impressor linkRodrigo Álvares no Porto.

As Ordenações (1510—1514)

Pouco depois de 1510, VF foi encarregado por Manuel I de imprimir as Ordenações do reino de Portugal. VF imprimiu estas Ordenações, em cinco volumes — uma monumental codificação do ordenamento jurídico manuelino.

Ordenações do reino, impressão de Valentim Fernandes
Folha-de-rosto do Livro I das Ordenações Manuelinas (Lisboa, 1515).

Mil exemplares de cada corpo, num total de 5000 volumes, custaram a avultada soma de 700 mil réis. Valentim Fernandes dividiu o trabalho de impressão com linkJoão Pedro Buonhomini de Cremona , mas o rei queria um exemplar em pergaminho de todos os cinco livros das Ordenações.

Ao contratar João Pedro de Cremona, recomendou-lhe Valentim Fernandes que fizesse uma tiragem especial em pergaminho destinada a D. Manuel I. A impressão destas Ordenações, relata o historiador Artur Anselmo nas suas Origens da Imprensa em Portugal, levou até final do ano 1514. Repetiu-se a impressão dos livros I e II, para fazer a dita tiragem em pergaminho, a fim de completar a colecção especial destinada a D. Manuel I.

A impressão dos dois primeiros volumes foi lenta, por motivos que se desconhecem, mas que talvez se prendam com a complexidade do trabalho gráfico a executar e com a necessidade de uma cuidada revisão dos textos. O livro I, com 129 fólios, acabou de ser impresso em 17 de Dezembro de 1512. O livro II, com 60 fólios, ficou pronto em 18 de Novembro de 1513.

Talvez por verificar que não conseguia cumprir o prazo acordado para a impressão da obra, decidiu Valentim Fernandes dar de subempreitada o resto da obra ao tipógrafo italiano João Pedro Buonhomini de Cremona, que viria a dar à estampa a edição especial em pergaminho de todos os 5 livros das Ordenações, destinada a Manuel I.

A obra foi completada em 1514, sendo os dois primeiros livros executados por Valentim Fernandes e os outros três por João Pedro de Cremona.

A última fase

De 1513 ou 1514, VF imprime a segunda parte das Epístolae et Orationes e das Visiones, duas obras de Cataldo Sículo.

Em 1513 (?) o piemontês Nicolau Gazini veio de Espanha para Portugal. Gazini imprimiu em Lisboa, em conjunto com Valentim Fernandes, e em Março de 1518 deu à estampa um manual de sacramentos segundo o costume da igreja de Coimbra, Manuale secundum consuetudinem almae Colymbriensis ecclesiae, impresso com material tipográfico de VF.

Em 1515, Valentim Fernandes imprime uma gramática de Estevão Cavaleiro, a Ars Virginis Mariae e, em associação com linkHermão de Kempis, Ho compromisso e regimento dos officiaes da sancta confraria da Mesericordia.

Reportorio dos Tempos

Em 1518, imprime o Reportorio dos têpos, versão portuguesa feita pelo próprio Valentim Fernandes do original castelhano de André de Li. O Reportorio dos Tempos é uma compilação baseada em trabalhos de linkZacuto.

Em 1496 tinha sido editada em Leiria a primeira obra de Astronomia impressa em Portugal, o Almanach Perpetuum Celestium Motuum de Abraão Zacuto, que originou todas as posteriores tábuas de declinação utilizadas na navegação. Trata-se de um livro muito raro, que foi mandado reproduzir por fotogravura em 1915 por Joaquim Bensaúde.

Julga-se que Valentim Fernandes terá morrido pouco tempo depois da impressão do Reportório.

Valentim Fernandes faleceu em 1518 — ou em 1519. þ

Fontes digitais

linkValentim: uma fonte OpenType

Temas relacionados

Sobre a Protipografia portuguesa: linkuma fonte histórica pouco conhecida.

Bibliografia

linkBibliografia sobre a Prototipografia em Portugal

Heitlinger, Paulo. Tipografia: origens, formas e uso das letras. Copyright © 2006 Paulo Heitlinger, ISBN 10 972-576-396-3 , ISBN 13 978-972-576-396-4, Depósito legal 248 958/06. Dinalivro. Lisboa, 2006.

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